Eu costumo dizer que, para um rocker de carteirinha, viver a vida sem comparecer ao menos a um show do Black Sabbath equivale a ser um cristão que jamais foi à missa. E foi exatamente isso o que as estimadas 60 mil pessoas que testemunharam o show da banda no Campo de Marte (em São Paulo) puderam presenciar na noite de ontem.
A honra de abrir a noite coube aos também já veteranos do Megadeth. Que leve-se em conta que Dave Mustaine e cia. limitada são excelentes músicos e contam com um público extremamente fiel e dedicado, mas aí está uma banda que realmente nunca conseguiu me dizer a que veio. Apesar dos muitos fãs presentes no local não era sem ironia que escutei alguém comentar que aquela seria a terceira vez na vida que via o Megadeth sem ter pago ingresso uma vez sequer para assistir a banda em si, dado o fato que já se tornou uma certa tradição em termos de Brasil o grupo abrir shows de nomes de maior projeção.
De qualquer maneira o curto set agradou em cheio aos fãs, mesclando desde esperados hits como "Peace Sells" e a clássica "Holy Wars... The Punishment Due" (sem dúvida dona de um dos riffs mais mortais e memoráveis da história do heavy metal) com temas dos sonhos para o fã mais dedicado, como as pouco conhecidas pelo grande público - "She Wolf" e "Tornado of Souls". A banda se beneficiou da qualidade excelente do som e deixou o palco com a certeza de ter deixado seu público certamente satisfeito. Quem dera Dave Mustaine fosse tão legal, humilde e gentil com os fãs fora do palco quanto tenta parecer ser quando está em cima dele.
Depois de terminado o Megadeth não demorou muito para que a "missa" pudesse começar. Sem introduções ou qualquer outra forma de enrolação, o Black Sabbath subiu ao palco sob o som da sirene anti-aérea que antecede o início da clássica "War Pigs". E nos primeiros instantes já deu pra notar que aquilo era muito mais do que música acontecendo perante os olhos da plateia, era a história sendo contada por quem a criou.
O Black Sabbath já havia se apresentado no Brasil três vezes. Na primeira (em 1992) com o saudoso Ronnie James Dio nos vocais durante a tour do álbum "Dehumanizer", em 1994 durante o primeiro festival Philips Monsters of Rock com o injustiçado/subestimado Tony Martin cantando e em 2009 novamente com Dio, mas com a banda atendendo pela alcunha de Heaven and Hell. O diferencial desta vez foi a presença de 3/4 da formação original da banda (Ozzy Osbourne nos vocais, Tony Iommi na guitarra e Geezer Butler no baixo), mais o auxílio do excelente - embora exagerado - Tommy Clufetos no lugar do velho Bill Ward. Sem contar com os teclados de Adam Wakeman (filho do genial Rick Wakeman, ex-Yes) dando uma forcinha eventual aqui e ali durante certos momentos do show.
Talvez seja pela importância do nome Black Sabbath para a história do rock 'n' roll, talvez pela pecha de criadores incontestáveis do heavy metal ou mesmo pela presença da celebridade Ozzy Osbourne de volta aos vocais, mas é fato que o nome da banda ultrapassou a barreira do mainstream para se tornar parte da cultura pop. Talvez isso justifique o número de pessoas completamente perdidas que se encontravam na plateia. Gente que dificilmente conheceria mais do que uns dois hits óbvios como "Iron Man" ou "Paranoid" e estavam lá apenas porque aquele era o evento hypado do momento. Ou talvez porque conhecem o Ozzy Osbourne da TV e mal sabem quem é Tony Iommi ou que o homem do bigode levou a banda sozinho nas costas durante anos a fio.
O resultado disso foi notar que muitos momentos simplesmente sublimes do show como "Behind The Wall of Sleep", "Into the Void" e "Age of Reason" (uma das três faixas apresentadas do novo álbum, 13) acabaram se perdendo aos olhos de um público às vezes apático que certamente devia estar esperando os primeiros acordes de sucessos solo de Ozzy como "No More Tears" ou "Crazy Train".
Mas será que isso tirou o brilho do show? De maneira alguma. Ter a chance de ver/ouvir/sentir aqueles três senhores no palco detonando em temas que são a trilha sonora da vida de pelo menos quatro gerações como "Black Sabbath" e a descomunalmente pesada "Under the Sun" fez valer até mesmo a raiva que os fãs de verdade sentiam ao ver pessoas gritando nomes de faixas solo de Ozzy ou simplesmente boiando com cara de "que raios é isso?" quando Tommy Clufetos calava a boca das viúvas de Bill Ward na execução animalesca de seu solo incluso em "Rat Salad".
É lógico que muita gente também tinha ressalvas à possível performance do próprio Ozzy vistas as limitações que mais e mais vêm atingindo sua voz, mas até mesmo o velho Madman segurou bem as pontas (ainda que com a pancinha saliente) e desafinou pouquíssimas vezes durante o show, normalmente nos tons mais altos, encarando boa parte do show com segurança, dignidade e a simpatia que lhe é peculiar. Geezer Butler também é uma verdadeira usina de groove e ritmo descomunal, e poder acompanhar de perto a execução do clássico solo de baixo que antecede a antológica "N.I.B." levou muita gente às lágrimas.
Mas quem merece um parágrafo à parte é Tony Iommi, o corpo e a alma do Black Sabbath. O que homem que escreveu os riffs, que abaixou a afinação de sua guitarra para compensar as limitações trazidas pelas pontas decepadas de seus dedos e inventou essa coisa que tanto amamos, chamada heavy metal. O cara que continuou levando a banda para a estrada ano após ano, sozinho, mesmo quando quase ninguém mais botava fé na mesma, e continuou a fazer grandes discos que são profundamente admirados por quem não se prende ao que a grande mídia que só conhece Ozzy Osbourne diz. Um homem que luta contra uma doença tão terrível como o câncer e ainda toca, sorri, produz e acena para a plateia fazendo o tradicional "chifrinho" com as mãos.
Antes do show um amigo opinou que fã de Black Sabbath que viu a banda com Dio nos vocais acabou ficando "mal acostumado" de tão bom que aquilo era, e eu preciso concordar. Ao final do show meu pensamento foi ainda além, e posso dizer que pelo número de rostos em êxtase que vi passarem por mim uma nova geração de rockers mal acostumados acabou de ser criada ou renovada.
E sou obrigado a encerrar esta humilde resenha com algo que escrevi antes do show, mas que continua valendo para quem lá esteve e não tinha a mínima noção do que acontecia:
Então agora TODO MUNDO é fã de Black Sabbath, inclusive gente que não deve conhecer muito mais do que Paranoid e se pergunta porque "No More Tears" não está no set list. Para você, pseudo-fã do Sabbath criado a leite com pera, ficam 5 dicas básicas de sobrevivência anti-cabacice:
1 - Black Sabbath é Tony Iommi.
2 - A banda não apenas existiu durante décadas como também gravou ótimos discos sem Ozzy. O cara nunca foi, não é e nunca será a parte mais importante da banda.
3 - Deixe de ser zé ruela, faça um favor a si mesmo e mergulhe de cabeça na discografia da banda. Não se contente apenas com o que a mídia traz até você. Absolutamente TODOS os discos possuem momentos brilhantes.
4 - Cinco discos essenciais que provavelmente você nunca ouviu na vida: 1- Born Again (1983) 2- Mob Rules (1981) 3- The Eternal Idol (1987) 4 - Cross Purposes (1994) 5- Seventh Star (1986)
5 - Só para relembrar: Black Sabbath é Tony Iommi.

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